Na nutrição esportiva, os ACR são extensivamente utilizados por atletas baseado na premissa de que esses aminoácidos podem promover anabolismo proteico muscular, atuar em relação à fadiga central, favorecer a secreção de insulina, melhorar a imunocompetência, diminuir o grau de lesão muscular induzido pelo exercício físico e aumentar a performance de indivíduos que se exercitam em ambientes quentes.
METABOLISMO
A transaminação é o primeiro passo para o aproveitamento proteico depois que o aminoácido é absorvido pela célula. Trata-se do processo de transferência do grupo amina (NH3 +) de um aminoácido para outro, através de um cetoácido. A reação é reversível e deve acontecer para a síntese e degradação de aminoácidos. Com relação a síntese de aminoácidos temos a formação endógena dos aminoácidos glutamato, aspartato, asparagina e alanina no fígado, músculos e rins. Já a relação de degradação dos aminoácidos envolve a interconversão de aminoácidos em piruvato, ou em ácidos dicarboxílicos e atuam como ponte entre o metabolismo de aminoácidos e carboidratos.
Diferentemente de outros aminoácidos, que são oxidados primariamente no tecido hepático, o sistema enzimático mais ativo para a oxidação dos ACR está localizado no músculo esquelético. Apesar do fígado não poder diretamente catabolizar os ACR, o mesmo apresenta um sistema muito ativo para a degradação dos cetoácidos de cadeia ramificada oriundos dos correspondentes ACR. Essa distribuição tecidual específica do catabolismo dos ACR decorre da distribuição única das duas primeiras enzimas envolvidas no catabolismo dos ACR, ou seja, aminotransferase de aminoácidos de cadeia ramificada (ATACR) - que catalisa a transaminação dos ACR, em reação reversível - e o complexo enzimático desidrogenase de cetoácidos de cadeia ramificada (DCCR) - que catalisa a descarboxilação oxidativa dos cetoácidos de cadeia ramificada, em reação irreversível (Shimomura et al., 2006a; Shimomura et al., 2006b; Shimomura, Harris, 2006).
Aminoácidos de cadeia ramificada e regulação da síntese protéica muscular
ACR são essenciais na dieta e, portanto, relevantes na regulação da síntese protéica muscular. A administração endovenosa de glicose e de várias misturas de aminoácidos, por um período de uma hora, em ratos previamente privados de alimentação, demonstrou que a infusão de ACR e glicose aumenta a síntese protéica no músculo esquelético tão eficientemente quanto uma mistura contendo glicose e todos os aminoácidos. Esse fato sugere que o efeito anabólico de uma mistura completa de aminoácidos pode ser reproduzido pelo fornecimento de uma mistura contendo apenas os três ACR (Garlick, Grant, 1998). Contudo, o efeito da mistura dos três ACR sobre a síntese protéica muscular pode ser atribuído ao aminoácido leucina, uma vez que em estudo com músculo esquelético perfundido, foi verificado que o fornecimento de leucina isoladamente estimula a síntese protéica muscular tão efetivamente como a mistura dos três ACR (Li, Jefferson, 1978).
METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA DURANTE O EXERCÍCIO
Durante o exercício físico ocorre a captação de diversos aminoácidos - predominantemente ACR - pelo tecido muscular. Se o exercício físico é prolongado, verifica-se significativa liberação de ACR pelo tecido hepático, aliada à diminuição da concentração plasmática de ACR - por exemplo, a concentração plasmática de leucina diminui entre 11 e 33% (Mero, 1999). Em um estudo (Decombaz et al., 1979) realizado com 11 homens treinados, submetidos a uma corrida com percurso de 100 km, foi verificada diminuição significativa (35-85%) da concentração sérica de ACR em relação aos valores pré-exercício. Em outro estudo com exercício prolongado (ciclismo, duração de 225 minutos, a 50% VO2max), Rennie et al. (1981) verificaram diminuição significativa da concentração plasmática de ACR ao final do exercício.
O músculo esquelético humano pode oxidar ao menos seis aminoácidos (leucina, isoleucina, valina, aspartato, glutamato e asparagina), todavia, durante o exercício físico, os ACR são preferencialmente oxidados (Wagenmakers, 1998). Os ACR são transaminados para os seus respectivos cetoácidos por meio da reação catalisada pela enzima ATACR, com subseqüente oxidação ocorrendo pelo complexo enzimático DCCR. O grupo amino dos ACR é transaminado com o α-cetoglutarato para formar glutamato, o qual é então transaminado com o piruvato - oriundo da via glicolítica - para formar alanina; ou aminado por meio da reação catalisada pela enzima glutamina sintetase, para formar glutamina (Rogero et al., 2006). A enzima DCCR é a enzima limitante do fluxo das reações envolvidas na oxidação dos ACR, com cerca de 5-8% na forma ativa (desfosforilada) no repouso e 20-25% na forma ativa durante o exercício (Tarnopolsky, 2004). A ativação da DCCR é relacionada à concentração de ACR e de cetoácidos de cadeia ramificada na fibra muscular, à depleção do glicogênio muscular e à diminuição do pH e da razão ATP:ADP (Shimomura et al., 1995). A correlação inversa entre ativação do complexo DCCR e concentração muscular de glicogênio sustenta o fato que estratégias de suplementação com carboidratos durante o exercício físico promovem efeito poupador da oxidação de aminoácidos por meio da diminuição da atividade do complexo DCCR. Cabe destacar que o aumento da ativação do complexo DCCR (e da oxidação de leucina) ocorre predominantemente durante o exercício intenso (70-80% VO2max) e prolongado, enquanto que em intensidades de exercício inferiores, o grau de ativação é reduzido (Xu et al., 2001; Shimomura et al., 2001).
Exercício de força, balanço proteico muscular e aminoácidos de cadeia ramificada
A hipertrofia muscular ocorre apenas a partir do saldo de síntese de proteínas, ou seja, quando a síntese protéica muscular excede a degradação protéica muscular (Rennie, Tipton, 2000). É notório que o exercício, especialmente o exercício de força, tem profundo efeito sobre o metabolismo protéico muscular, freqüentemente resultando em crescimento muscular. Agudamente, o exercício de força pode resultar em melhora do balanço protéico muscular (síntese - degradação); porém, na ausência da ingestão de alimentos, o balanço ainda permanece negativo. Portanto, os efeitos interativos entre o exercício de força e as diferentes estratégias nutricionais devem ser considerados no estudo do metabolismo protéico muscular. Nesse contexto, verifica-se que a ingestão de aminoácidos isoladamente aumenta a taxa de síntese protéica muscular. Contudo, o mais potente iniciador dessa síntese é a combinação de exercício de força com aumento da disponibilidade de aminoácidos (Tipton, Wolfe, 2004; Houston, 1999).
A ingestão de uma mistura de aminoácidos ou de um hidrolisado de proteínas após uma sessão de exercício de força estimula a taxa de síntese protéica em músculo humano e promove balanço protéico muscular positivo. Diferentes teorias tentam explicar a ocorrência desse efeito, como o aumento da disponibilidade de aminoácidos promovendo o aumento do transporte dos mesmos para dentro da célula muscular, o que estimula a síntese protéica (Tipton et al., 2004; Miller et al., 2003). Outra possibilidade é que esse efeito decorre de um grupo de aminoácidos, como os ACR, ou de um único aminoácido, como a leucina. No que concerne à leucina, esta aumenta a fosforilação de proteínas envolvidas na regulação da síntese protéica, incluindo a p70S6k e a 4E-BP1, no músculo esquelético de humanos. Aliado a esse fato, observa-se que a atividade da p70S6k induzida pelo exercício correlaciona-se com o aumento da massa muscular após seis semanas de treinamento de força. Desse modo, alterações na fosforilação da p70S6k no músculo esquelético pós-exercício podem refletir em ativação de vias de sinalização, as quais podem responder pelo aumento da síntese protéica durante a fase inicial da recuperação pós-exercício. Esse fato é relevante, uma vez que a ingestão de leucina aumenta a fosforilação de proteínas envolvidas na regulação da síntese protéica muscular, incluindo a p70S6k (Figura 3) (Blomstrand et al., 2006; Kimball, Jefferson, 2006a; Norton, Layman, 2006; Anthony et al., 2000).
Koopman et al. (2005) verificaram que a adição de leucina em bebida contendo hidrolisado protéico e carboidratos promoveu maior estimulação da síntese protéica corporal total após a realização de uma sessão de exercício de força quando comparada à ingestão de carboidrato ou de carboidrato com hidrolisado protéico. Além disso, a ingestão combinada de carboidrato, hidrolisado protéico e leucina aumentou a síntese protéica muscular em relação à ingestão isolada de carboidrato. Os resultados desse estudo indicam que a adição de leucina na forma livre em combinação com proteínas e carboidratos representa uma estratégia efetiva na promoção do anabolismo protéico muscular pós-exercício de força.
Referências bibliográficas
ANGELIS, R. C.; TIRAPEGUI, J. Fisiologia da nutrição humana. Aspectos básicos, aplicados e funcionais. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2007. 565p.
MOTTA, V.T. Bioquímica. 2ª edição. Rio de Janeiro: MedBook, 2011, 463p.
ROGERO, Marcelo Macedo; TIRAPEGUI, Julio. Aspectos atuais sobre aminoácidos de cadeia ramificada e exercício físico. Revisão • Rev. Bras. Cienc. Farm. 44 (4) • Dez 2008 • https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400004.
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CINTYRA, Patricia. Aminoácidos de cadeia ramificada. Post 602. Nutrição Atenta. 2024.
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