A importância do sistema endócrino na regulação de processos e funções fisiológicas no esporte tem sido alvo de estudo desde o ano de 1904. Com o avanço tecnológico, tornou-se possível a realização de mensurações hormonais com maior precisão, fazendo o número de pesquisas sobre a influência do sistema endócrino no esporte e no exercício aumentar consideravelmente.
Sabe-se que diversos fatores podem afetar a resposta hormonal no estímulo ao exercício. São alguns deles: fatores pessoais (gênero, idade, raça etc.), ambientais (temperatura, umidade, altitude), nutricionais e do próprio exercício. As alterações hormonais secundárias ao exercício físico podem ocorrer em decorrência de fatores como:
Intensidade: a intensidade do exercício pode exercer profunda influência sobre a dinâmica hormonal, sendo que a maioria dos hormônios se mantém elevada após a prática de exercício intensa.
Duração: grande parte dos hormônios apresenta mudanças relacionadas ao tempo durante o exercício físico.
Volume: entende-se por volume de exercício o produto da intensidade com a duração deste
Modalidade/tipo: as diferentes modalidades de exercício físico afetam de maneira distinta as alterações hormonais relacionadas com a prática de atividade física.
Status de treinamento inicial: de modo geral, indivíduos destreinados que praticam um exercício de alta intensidade terão alterações endócrinas mais profundas que indivíduos treinados.
Frequência de treinamento e overtraining: ambos exercem impactos consideráveis sobre as concentrações de diversos hormônios Duração da prática: pesquisas indicam que ocorrem mudanças relacionadas com o tempo da prática de atividade física sobre os níveis hormonais basais ou de repouso.
Desse modo, fica clara a compreensão de que o exercício físico serve de estímulo para liberação ou inibição da secreção de diversos hormônios.
Regulação aguda ao exercício de força
Ao início da sessão do treinamento de força, ocorrem alterações na dinâmica hormonal, com aumento nos níveis de hormônio do crescimento (GH, growth hormone), testosterona, fator de crescimento similar à insulina I (IGF-I, insulin-like growth factor I) e insulina; e diminuição da produção de citocinas e cortisol. Ao interagir com genes e receptores de suas células-alvo, esses hormônios provocam um aumento da síntese de IGF que, por sua vez, estimula a síntese proteica e, assim, a sua agregação. Contudo, especula-se que as diferenças de gêneros encontradas nas respostas esteroidais ao exercício podem refletir em diferenças na secreção dos hormônios pelas gônadas e glândula adrenal. Homens produzem testosterona e di-hidrotestosterona em quantidade muito maior que as mulheres. Elas, por sua vez, maior de progesterona e estrogênio . Essas diferenças hormonais podem, ainda, exercer efeitos diretos sobre o consumo de substratos energéticos durante a atividade física. Sugere-se que a progesterona e o estrogênio possam aumentar a lipólise e/ou a restrição da produção e utilização de glicose.
Hormônio do crescimento
O exercício físico é um potente estimulante fisiológico da secreção pituitária do GH, sendo que, após aproximadamente 10 min do início do treinamento físico, seus níveis plasmáticos sobem, com pico em aproximadamente 30 min e aumento proporcional à intensidade do exercício. O mecanismo pelo qual esse fato ocorre é que o exercício de força estimula a produção de opiáceos endógenos, que, por sua vez, inibem a produção de somatostatina pelo fígado, um hormônio que diminui a liberação de GH Foi relatado que indivíduos destreinados apresentam maior liberação de GH do que indivíduos treinados, sendo que esse aumento ocorre mais rapidamente do que em indivíduos treinados. Especula-se que essa diferença na liberação de GH durante a prática de exercício físico aconteça em decorrência do fato de que os indivíduos treinados necessitam de menor taxa de síntese tecidual do que os indivíduos destreinados.
Contudo, existem alguns outros fatores que podem interferir na resposta do GH ao exercício. Foi demonstrado que os níveis circulantes de GH aumentam com o acúmulo de lactato no músculo. Também, sabe-se que uma refeição rica em gorduras (importante estimulador da liberação de somatostatina pelos tecidos gastrintestinais) pode inibir a magnitude da resposta do GH ao exercício. Ainda, alguns estados patológicos, como obesidade e síndrome do ovário policístico (SOP), são conhecidos por atenuarem a resposta do GH ao treinamento.
O GH apresenta picos de produção em certos momentos do ciclo circadiano. Nota-se que a maior amplitude dos pulsos de GH ocorre durante o horário do sono, por volta das 2 h da manhã. Assim, observa-se a importância da realização de um sono adequado na recuperação corporal entre as sessões de treinamento físico.
É notório como o GH e seu principal mediador downstream, o IGF-I, desempenham um papel crítico na manutenção, formação e regeneração de músculos esqueléticos. O GH é o principal fator estimulante para síntese e circulação endócrina, periférica e local de IGF-I. Observa-se que ocorrem correlações positivas entre os níveis circulantes de IGF-I e da secreção de GH com os índices de aptidão física. Todavia, os efeitos do GH sobre o metabolismo, a composição corporal e a diferenciação tecidual são independentes do IGF-. Entre os benefícios do GH relacionados ao treinamento de força estão: aumento da capacidade de captar aminoácidos pelas células e, assim, da síntese proteica; redução no catabolismo; aumento da utilização de lipídios e diminuição da utilização de glicose para obtenção de energia; e estímulo ao crescimento tecidual, de cartilagens, ossos e colágeno (no músculo esquelético e tendão).
Insulina
Durante o treinamento de força, ocorre um aumento de insulina paralelo ao aumento de IGF-I. A insulina estimula o aumento da síntese proteica, da transcrição de genes e do crescimento celular, além de favorecer a hipertrofia muscular . Assim como o exercício, a insulina estimula a translocação do transportador de glicose 4 (GLUT4, glucose transporter 4), o transporte de glicose, a síntese de glicogênio e a síntese proteica no músculo esquelético. Foi levantada a hipótese de que o exercício e a insulina utilizam cascatas de sinalização similares. Tanto os fatores relacionados ao treinamento físico como a insulina estimulam mensageiros de sinalização celular que, por sua vez, estimulam proteínas cinases citoplasmáticas que ativam a proteína cinase ativada por mitógeno (MAPK, mitogenactivated protein kinase). Uma vez ativada, a MAPK fosforila as proteínas MKK4/7, MKK3/6 e MEK1/2, que estimulam a produção de proteínas cinases e fatores de transcrição que induzem um aumento da transcrição gênica para a síntese proteica. Outro mecanismo pelo qual a insulina regula a síntese proteica é a via AKT/mTOR. A insulina ativa a AKT (proteína cinase B [BKP; protein kinase B]), que, por sua vez, fosforila o mTOR (proteína cinase-alvo da rapamicina em mamíferos). Uma vez ativada a via AKT/mTOR, ocorre a ativação de uma cascata com vários outros reguladores-chave da síntese proteica. Reporta-se que essa via é a mais importante para promoção da hipertrofia, e que o IGF-I também estimula a ativação desta.
Testosterona
A testosterona é um dos hormônios androgênico-anabólicos mais potentes, estando presente em quantidades dez vezes maiores em homens do que em mulheres. É de significante importância no treinamento de força, em que ocorre o aumento da liberação de testosterona sérica.
No exercício de força, seus efeitos estão associados ao acúmulo de proteínas nos músculos e, assim, ao desenvolvimento de massa muscular e hipertrofia. Também, evidencia-se que as mudanças corporais que ocorrem com o envelhecimento (diminuição da massa magra e aumento de massa adiposa) sejam decorrentes da diminuição da produção de testosterona.
Essas ações da testosterona são moduladas por meio da interação da testosterona com o receptor intracelular androgênico. Desse modo, reporta-se que o aumento do tamanho da fibra muscular e o ganho de força no exercício secundários ao aumento dos níveis séricos de testosterona são dependentes do número de receptores celulares. Contudo, o mecanismo exato pelo qual a testosterona regula o metabolismo muscular não foi totalmente esclarecido. Sabe-se que o exercício físico de força estimula a transcrição gênica para codificação do IGF-I. Contudo, especula-se que o aumento desse peptídio insulínico se deva à elevação dos níveis de testosterona .
Alterações hormonais no exercício de endurance
Cortisol e testosterona
O cortisol é um hormônio glicocorticoide que é secretado a partir de um estímulo estressante, como, por exemplo, durante a atividade física, contusão em alguma parte do corpo ou acontecimentos que coloquem o indivíduo em perigo. A partir dessas situações, impulsos nervosos são enviados ao hipotálamo, o que resulta na produção do fator de liberação de corticotrofina (CRF, corticotropin-releasing factor), o qual chega à hipófise anterior, estimulando a secreção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH, adrenocorticotropic hormone), que, presente na corrente sanguínea, chega até o córtex suprarrenal, no qual será produzido o cortisol. Esse hormônio apresenta função catabólica e exerce um importante papel no equilíbrio eletrolítico e no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, além de demonstrar efeito anti-inflamatório.
A testosterona, principal hormônio sexual masculino, é produzida no organismo quando suas concentrações estão baixas. O hipotálamo secreta o fator de liberação de gonadotrofina (GnRF, gonadotropin-releasing factor), o qual estimula a liberação do hormônio luteinizante (LH, luteinizing hormone), que, por sua vez, estimula as células de Leydig nos testículos a produzirem e liberarem testosterona. As glândulas suprarrenais também são capazes de secretar testosterona, porém em baixas concentrações. Nas mulheres, além da produção pela glândula suprarrenal, os ovários também têm capacidade de produção, mas em quantidades bastantes inferiores se comparadas aos homens. Esse hormônio apresenta função anabólica (crescimento de ossos, músculos e quase todos os órgãos) e androgênica (características sexuais masculinas).
O efeito antagonista desses hormônios possibilita que a relação testosterona/cortisol seja empregada de maneira a monitorar o treinamento físico, indicando o nível de estresse imposto por ele. Quando essa razão está aumentada, ou seja, quando a concentração de testosterona é maior do que a de cortisol, tem-se o indicativo de um resultado positivo em relação ao treinamento; já seu decréscimo mostra que o método empregado mostra-se como estressor intenso para o organismo.
Sabe-se que a resposta hormonal está diretamente relacionada ao trabalho total do atleta, e a correlação entre a performance e a secreção de hormônios é estabelecida posteriormente ao efeito hormonal exercido no tecido muscular.
Alguns estudos mostram que os níveis tanto de cortisol como de testosterona são alterados de maneira dependente da duração e da intensidade do exercício realizado. Quando o treinamento consiste em uma série de exercícios de alta intensidade e curta duração ou trabalho de força, os níveis de testosterona encontram-se aumentados.
A elevação da concentração de testosterona plasmática é consequência de a atividade do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal estar aumentada durante o exercício físico 28 . Um estudo realizado por Simões et al. com corredores velocistas e fundistas analisou a razão de testosterona/cortisol, mostrando que a concentração de testosterona pode auxiliar na recuperação mais rápida do atleta entre as sessões de treinamento, o que possibilita a realização de umdeterminado volume de treinamento específico 29 . A partir desses dados, é possível presumir que o controle da resposta desse hormônio pode demonstrar um efeito positivo da carga de treinamento aplicada, portanto, se a testosterona estiver inibida por períodos extensos, pode-se comprometer a recuperação do atleta.
Mesmo sabendo que a testosterona está envolvida na recuperação do atleta, vemos que, durante exercício físico intenso e de longa duração, a produção de testosterona diminui, ao contrário da concentração de cortisol, que se encontra aumentada, conforme demonstrou um estudo de Nindl et al., o qual avaliou as concentrações plasmáticas de hormônio luteinizante, testosterona total e livre e cortisol de atletas em treinamento de endurance, o que nos leva a concluir que, quanto maior a duração do exercício, maior o risco de degradação proteica, podendo ocorrer nos exercícios de força, quando uma única sessão com elevado volume de treinamento pode ocasionar um aumento na concentração de cortisol.
Têm-se observado aumentos significativos nos níveis de cortisol em casos em que a intensidade do treino ultrapassa 60% do limiar anaeróbio. Esse hormônio estimula a quebra de proteínas em aminoácidos em todas as células do corpo, exceto no fígado. Esses aminoácidos vão para o fígado participar da gliconeogênese para formação de glicose. Além disso, ele também acelera a mobilização do tecido adiposo para ser utilizado como fonte energética (lipólise) e impede a ruptura dos lisossomos, o que impede a lise adicional dos tecidos.
Um estudo realizado por França et al. com 20 atletas masculinos sadios, com idade entre 25 e 40 anos, participantes de uma maratona (42,2 km), teve como objetivo analisar a resposta dos níveis séricos de testosterona, cortisol e das enzimas de desgaste muscular creatinocinase (CK, creatine kinase), creatinocinase MB (CKMB) (encontrada no músculo cardíaco) e desidrogenase láctica (DHL) em três períodos: (I) pela manhã, 48 h antes da maratona (controle); (II) logo após o término da competição (recuperação); e (III) na manhã seguinte, 20 h após a realização da prova (recuperação).
Os resultados obtidos pelos autores mostram que, em comparação aos valores-controle, os níveis de testosterona ao final da corrida encontraram-se reduzidos. Já os de cortisol sofreramuma elevação significativa (p < 0,05), produzindo um aumento de cinco vezes na relação cortisol/testosterona. Mediante esses resultados e após profunda discussão, concluiu-se que a correlação entre cortisol e testosterona e as enzimas de desgaste muscular comprovam um intenso estresse físico após exercício de alta intensidade, o que acarreta um desequilíbrio hormonal associado a uma lesão celular musculoesquelética. Além disso, concluiu-se também que o aumento da relação cortisol/testosterona após o término da corrida faz ocorrer um catabolismo intenso, o qual não é recuperado após 20 h.
Referência
PASCHOAL, Valéria; NAVES, Andreia. Tratado de Nutrição Esportiva Funcional. -1. ed. - São Paulo : Roca, 2014. 752 p.
Como referenciar este post?
CINTRA, Patricia. Alterações hormonais no exercício físico. Post 607. Mutrição Atenta. 2024.
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